HPA Magazine 15
IMUNOTERAPIA
A imunoterapia permite explorar os efeitos do sistema imunitário sobre as células malignas. São exemplos deste tipo de tratamentos os anticorpos monoclonais, que podem ativar a destruição das células malignas, por mecanismos diretos e indiretos (através de células do sistema imune) ou pela conjugação com moléculas tóxicas. São exemplos os anticorpos anti-CD20 (Rituximab, Obinutuzumab), anti-CD30 (Brentuximab Vedotin) – usados no tratamento de linfomas – anti-CD38 (Daratumumab e Isatuximab), anti-SLAMF7 (Elotuzumab) e anti-BCMA (Belantamab Mafadotin) – usados em Mieloma Múltiplo – e anti-CD22 (Inotuzumab ozogamicina) – usado em Leucemia Linfoblástica Aguda.
Mais recentemente foram desenvolvidos anticorpos que permitem ligar células imunes às células malignas de forma a promover a sua destruição ou que desativam os mecanismos que travam o ataque imune. Estes anticorpos são de dois tipos:
· Os chamados bi-específicos ligam-se tanto a recetores na superfície das células-alvo como de Linfócitos T, ativando um efeito de destruição celular dos segundos sobre as primeiras de forma muito específica e potente. O melhor exemplo é o Blinatumomab para a Leucemia Linfoblástica Aguda.
· Os inibidores de barreiras imune – checkpoint inhibitors – que reativam as células imunes, tornando-as capazes de reconhecer e destruir as células malignas. Os melhores exemplos são o Nivolumab, o Pembrolizumab e o Ipilimumab, usados em Linfomas.
TERAPIAS DIRIGIDAS
O uso de pequenas moléculas que alteram o funcionamento de processo biológicos específicos das células cancerígenas tem conhecido avanços muito relevantes nos últimos anos. Em casos específicos como a Leucemia Linfocítica Crónica ou a Leucemia Mielóide Crónica, esta classe de fármacos demonstrou inclusivamente ser mais eficaz e menos tóxica que os esquemas convencionais de imunoquimioterapia usados nas últimas décadas, mesmo em doentes com alterações genéticas de alto risco.
Neste contexto destacam-se o Imatinib, o Dasatinib, o Nilotinib e o Ponatinib – usados em doentes com Leucemia Mielóide Crónica – e o Ibrutinib – usado em Leucemia Linfocítica Crónica – que demonstraram elevadas taxas de resposta e aumento significativo do tempo de sobrevivência dos doentes. Este último fármaco demonstrou-se também útil em outros tipos de linfoma em recaída e em doentes intolerantes a quimioterapia. Outros exemplos com o mesmo mecanismo de ação, mas menos toxicidade incluem o Acalabrutinib e o Zanubrutinib para certos tipos de linfoma em recaída.
Na área das doenças mieloproliferativas, o reconhecimento do papel da proteína JAK2 na acumulação de células malignas levou ao desenvolvimento de bloqueadores desta molécula, como o Ruxolitinib, usado em casos específicos de Policitémia Vera e Trombocitémia Essencial.
Outro alvo têm sido moléculas de sobrevivência como a BCL-2, que desempenha o seu papel em diversos tipos de células cancerígenas. Neste campo, o Venetoclax mostrou ser eficaz tanto em linfomas como em leucemias – mesmo agudas – permitindo atingir respostas muito profundas em fases avançadas de doenças agressivas.
AGENTES HIPOMETILANTES
A azacitidina e a decitabina atuam pela modulação da organização dos cromossomas, alterando a expressão de certos genes em detrimento de outros. Este mecanismo permite controlar de forma eficaz certos processos malignos, tornado estes agentes mais efetivos e seguros do que qualquer tipo de quimioterapia em doentes idosos com Síndrome Mielodisplásica e Leucemia Mielóide Aguda, reduzindo a necessidade de transfusões e aumentado a sua sobrevivência.
AGENTES IMUNOMODULADORES
Estes agentes são sobretudo usados em Linfoma, Mieloma ou outras doenças proliferativas crónicas e incluem a Lenalidomida e a Pomalidomida. Atuam através de mecanismos que incluem a destruição de fatores que alteram a maturação das células cancerígenas e a estimulação de células imunes, e apresentam a grande vantagem de serem administrados por via oral.
INIBIDORES DO PROTEASOMA
O Bortezomob e o Carfilzomib atuam pela inibição de mecanismos de destoxificação celular, algo de que algumas células cancerígenas dependem muito devido à sua elevada taxa de produção de proteína. Estas moléculas alteram radicalmente o prognóstico de doentes com Mieloma Múltiplo e são a base de vários esquemas de tratamento desta doença, quase exclusivamente tratada sem recurso a quimioterapia.
TERAPIAS CELULARES
Desde 2019 é possível tratar doentes com uma nova tecnologia baseada em linfócitos que, depois de geneticamente modificados, são reintroduzidos no organismo do doente. Esta é uma verdadeira terapia viva, já que as células mantêm capacidade de sobreviver por longos períodos após a infusão, mantendo as células malignas sob vigilância. Em certos linfomas agressivos ou Leucemia Linfoblástica Aguda resistentes a outros tratamentos, a terapia celular permite duplicar número doentes que atingem uma reposta persistente ao tratamento quando comparada com os esquemas de tratamento baseados em quimioterapia. É uma terapia aplicada em centros selecionados feita numa única administração e tem efeitos adversos que, apesar de graves, raramente deixam sequelas.
DESAFIOS
O tratamento do cancro sem quimioterapia é uma realidade já nos dias de hoje e todas as doenças hemato-oncológicas podem ser tratadas com pelo menos um destes agentes. Os melhores resultados parecem ser obtidos com combinações de fármacos com mecanismo de ação diferentes, mas complementares. Os ganhos são inegáveis em termos de eficácia, com elevadas taxas de resposta e maior tempo de vida e também melhor qualidade de vida, pois estes esquemas são tendencialmente menos tóxicos que os esquemas baseados em quimioterapia.
No entanto, persistem alguns desafios. Ao contrário dos esquemas de quimioterapia – que, fruto da sua toxicidade e forma de ação, são realizados em períodos limitados de tempo – os esquemas sem quimioterapia são muitas vezes introduzidos de forma contínua, o que implica deslocações regulares ao centro de tratamento para administração ou levantamento da medicação que se podem prologar por anos.
Além desta questão logística, impõe-se a questão económica, uma vez que, à semelhança de outras inovações técnicas, os novos fármacos têm um custo significativamente superior às terapias mais antigas.
No entanto, os resultados clínicos são também superiores, sobretudo em doentes mais frágeis e com doenças mais avançadas ou agressivas, pelo que cabe às autoridades nacionais avaliar a relação custo-benefício destas estratégias, sabendo que médicos e doentes valorizarão tremendamente os ganhos em qualidade de vida que elas oferecem.